Pão nosso de todo dia

"Além da pressão da concorrência, crédito fácil
funciona como incentivo para reformas" 




De Marcia Furlan

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Padarias abandonam fórmula que vigorou por décadas e se reinventam para atender à mudança de comportamento do consumidor
Quem ainda não viu a padaria onde compra pão há anos ficar parcialmente interditada para reforma pode contar que muito brevemente verá. A menos que queira fechar suas portas, dificilmente o estabelecimento deixará de acompanhar este movimento que se espalha com velocidade, principalmente nos grandes centros. Os donos de padaria estão em uma corrida para garantir seu espaço no pulsante mercado da alimentação fora de lar, cujo desempenho surpreende ano a ano, crescendo em média três vezes mais que o PIB brasileiro.

Por isso estão se transformando de meros comércios de venda de pães e leite em pequenos empórios ou restaurantes, oferecendo café da manhã com diversas opções, almoço por quilo ou à La carte, happy hour, jantar com sopas ou pizza, atuando ainda nos períodos intermediários como docerias ou loja de conveniência. Ou seja, conseguem garantir fluxo em suas lojas do início da manhã até altas horas da noite. Isso tudo em um ambiente com decoração bem cuidada, às vezes com música ao vivo e até serviço de manobrista. Assim, mesmo o empresário que não pensava em entrar na onda é obrigado a fazê-lo, sob pena de ser engolido pela concorrência.

A transformação não começou agora e sim anos atrás, mas se intensificou fortemente nos últimos tempos. As que já passaram pelo processo garantem que vale a pena, frente ao crescimento das vendas. Cálculos do setor dão conta que o faturamento aumenta em média 30% após a reforma. As que não passaram têm muitos incentivos para embarcar, fora a pressão da concorrência. É que nunca houve tanta oferta de crédito, seja das linhas do BNDES ou dos bancos, para financiar as reformas e compras de equipamentos. A burocracia ainda prolonga demais os processos, mas não os inviabiliza, segundo contam os empresários.

O setor continua caracterizado por empresas familiares em que vários membros participam do dia a dia. A diferença é que agora a segunda geração é quem está à frente, o que ajuda a explicar o movimento. São líderes jovens, profissionalizados, preparados e com muita vocação para a mudança. O patriarca pode ou não estar coordenando ainda as decisões, mas há sangue novo impulsionando as decisões.

Os sinais são de que as padarias serão muito bem-sucedidas na em­preitada, a considerar seus trunfos. Além de se transformarem em uma opção atraente para as três refeições do dia e os lanches intermediários, têm ainda a vantagem de um relacionamento mais próximo com os fregueses. "É um ambiente que a familia inteira freqüenta", explica o presidente do Sindicato da Panificação e Confeitaria do Estado de São Paulo (Sindipan), Antero Pereira.

"Além da pressão da concorrência, crédito fácil
funciona como incentivo para reformas"

Além disso, conseguem praticar preços ligeiramente menores nas atividades que não são seu negócio principal, pois as margens estão, em tese, garantidas pelos outras atividades. Concorrem desta forma com os restaurantes por quilo, pizzarias, cafeterias, docerias. Um levantamento realizado em sete capitais brasileiras pela consultoria ECD, especializada em food service, revelou que em média as padarias cobram 30% menos nas refeições por quilo e nas pizzas.

Estas panificadoras começaram a perceber que era hora de arregaçar as mangas e mudar o modelo que deu certo nas décadas anteriores quando foram atingidas em sua principal fonte de recursos: o pãozinho. Poucos anos atrás, os hipers e supermercados, também envolvidos em uma sangrenta competição entre si, montaram padarias em suas lojas e passaram a oferecer pães ou baguetes a preços imbatíveis, possíveis graças à estrutura de custos mais enxuta.

Nunca houve uma efetiva debandada em massa de fregueses de um comércio para outro, pois a padaria sempre teve o diferencial da praticidade e da proximidade, mas os volumes caíram muito, acendendo a luz amarela na contabilidade.

As adaptações realizadas depois disso, segundo apontam dados preliminares, surtiram efeito. Números da Associação Paulista de Supermercados (APAS) mostraram que, de 2005 para 2006, o contingente de pessoas que compravam pão apenas nos supermercados caiu de 17% para 15%; o que comprava nos supers e também nas padarias passou de 29% para 21%; e o que comprava apenas em padarias subiu de 54% para 64%. Ou seja, por motivos diversos, os consumidores estão preferindo este local de compra.

Possivelmente a forma de venda dos frios (embutidos), parceiros quase constante dos pães, tenha feito diferença. É que as pessoas preferem que sejam fatiados na hora e não se acostumaram com as embalagens já prontas em bandejas de isopor dos supermercados. Esta percepção está motivando uma estratégia específica nas reformas das padarias: em grande parte delas estão sendo montadas ilhas para expor estes produtos, com um atendente exclusivo e onde ficam também itens de maior valor agregado, como patês, conservas, geléias, queijos e salames especiais. Não é por outro motivo que grandes empresas fornecedoras de embutidos como Sadia, Perdigão, Aurora, Marba olham este ponto­de-venda com atenção.
Nem tudo são flores
Apesar das perspectivas para lá de otimistas que se apresenta para o setor de panificação, existem entraves a transpor. Tendo vencido ainda que parcialmente os supermercados, os empresários se debatem agora com a concorrência com os informais, que vendem os pães pelas ruas em grandes cestos levados em bicicletas. Apesar do aspecto até bucólico desta forma de comerciali zação, são produtos confeccionados em fabriquetas instaladas em locais escondidos, que só conseguem ter preços competitivos por causa do baixo custo de produção.

Segundo o Sindicato da Panificação e Confeitaria do Estado de São Paulo, apenas na capital paulista esta produção clandestina responde por 20% do volume de pães consumidos diariamente, algo em torno de 3 milhões de unidades, frente ao total de 15 milhões. A mudança da legislação que implantou a venda do pão por peso favoreceu as padarias neste embate. Não eliminou o problema, mas mostrou que os preços dos informais são mais baixos porque frequentemente o pão não chega a ter 100 gramas.

Fora a concorrência com os informais, as padarias têm longa batalha a travar também em outras áreas. Apesar da situação privilegiada que desfruta por possuir um contato diário com o cliente, condição que praticamente nenhum outro estabelecimento comercial tem, a maioria está atrasada com relação às boas práticas de relacionamento. Realizam pouquíssimas ações de fidelização, estratégia que tende a ser fundamental frente a um ambiente mais competitivo que certamente virá, seja por meio do desenvolvimento das demais padarias, seja pela reação de restaurantes, pizzarias, supermercados.

O consultor Enzo Donna, da EDC, adverte para a necessidade de se fazer cadastro de clientes -- que pode ser útil para montar promoções, mix de produtos e outras ações -- além de pesquisas de satisfação. Independentemente de se tomar medidas para resolver todos os problemas que surgem neste levantamento, a iniciativa serve pelo menos para o cliente saber que o dono está preocupado e interessado em sua opinião. São ações já bastante desenvolvidas por várias empresas de varejo, indústria e restaurantes, justamente os três setores em que as padarias modernas estão atuando.

Outro ponto considerado frágil é atendimento. Embora o balconista ou o caixa lide com o mesmo cliente diariamente, até mais de uma vez por dia, ela não realiza o trabalho de um vendedor típico, oferecendo outras opções, destacando o sabor de uma rosca, de um biscoito, e se limitam a ensacar a quantidade de pão solicitado. Este profissional é estratégico na medida em que pode agregar outros produtos à venda do pão e do leite.

A qualificação do atendimento é um evento do qual não se tem como fugir. Na Europa, nas casas similares às padarias brasileiras, muitas vezes o confeiteiro sai de sua cozinha para ir à frente da loja vender, explicando a composição dos produtos, detalhando receitas, fazendo um papel semelhante ao do chef de restaurantes mais refinados. As panificadoras brasileiras devem, no futuro, considerar essas e outras estratégias. 
 fonte: http://alciberg.com.br/pt/index.php?option=com_content&task=view&id=6&Itemid=1 

Na quinta reforma dos seus 38 anos, a tradicional padaria localizada no bairro da Vila Prudente, zona Leste de São Paulo, a Cepam, ampliou sua área de atendimento de 480 para 1.700 metros quadrados e o número de lugares de 68 para 326. O objetivo é acompanhar a mudança de hábito da população, que está se alimentando cada vez mais fora do lar ou comprando comida pronta, informou o gerente comercial e de exportação, Reinaldo Bertagnon - executivo contratado pela família Diogo, que já está na segunda geração, para gerir o negócio. Com isso, aumentou também o sortimento no auto-serviço, na adega, são agora dois fornos de pizza, no lugar de apenas um, churrasqueira e até uma charutaria. A obra, a maior de todas já realizadas, durou um ano e meio. "Fizemos tudo com planejamento e por etapas. Quando desmanchamos a parede os clientes ficaram surpresos com a área que havia atrás dela", afirmou. Segundo ele, a tendência é de que esta renovação se intensifique no setor e quem não acompanhar vai ficar obsoleto. "As padarias são uma fórmula brasileira de sucesso. Só existe aqui e tem despertado a atenção de profissionais de varejo de fora", completa.

Não são apenas as instalações que passam por mudanças nestes novos tempos no setor de panificação. Muitas estão sob comando da segunda geração de empresários, que começa a trazer novos parâmetros de gestão. Na Pão do Parque, os três filhos de Rubens Casselhas se ocupam de áreas vitais do negócio, ao lado do pai, que ainda está na ativa. O primogênito Rubens Jr, responsável pela diretoria industrial. cresceu no ambiente, preparou-se desde jovem para assumir o negócio e vem introduzindo, há alguns anos, novos métodos de trabalho. No momento, as duas unidades, localizadas em Pinheiros, zona oeste de São Paulo, e que recentemente também foram reformuladas, passam adicionalmente por um processo de profissionalização, que conta com a ajuda até de uma consultoria de recursos humanos. "Queremos mudar a cara desta atividade, a qual exige que o profissional trabalhe das 6 horas da manhã até as 22 horas", disse, referindo-se ao modelo característico do dono da padaria. A Pão do Parque destoa das demais por não investir tanto na área de restaurante, optando por incrementar o auto-serviço e rotisserie. "Preferimos explorar outro conceito, o de levar comida para consumir em casa", acrescentou.

Além de se redesenharem, algumas padarias avançam no processo de inovação e na busca por diferenciação, Depois de inserir gradativamente diversas novas seções em suas unidades, os gestores da Saint Germain. com três lojas em Curitiba (PR) e uma em São Paulo (SP). estão investindo agora na produção de pães orgânicos, ou seja. feitos a partir de ingredientes livres de agrotóxicos. A certificação já está em curso e atualmente as padarias oferecem o pão de forma, pães integrais e baguetes com este atrativo. "Estas são as padarias do terceiro milênio", diz Wagner Ferreira, sócio proprietário da Saint Germain, para quem estes locais vão se destacar pelo conforto, produtos inovadores, alto grau de higiene e freqüentado por um cliente muito mais exigente que dos demais comércios. por considerarem as padarias como extensão de sua casa. Para ele, a onda recente não é um modismo e sim uma tendência. "Estão sempre cheias mas não perderam o conceito de padaria." 

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